Os estragos financeiros provocados pelo isolamento social em 2020 e 2021 forçaram o poder público de modo geral a ser mais compassivo com os contribuintes. O resultado disso foi uma onda de medidas provisórias editadas pelo governo federal para facilitar a renegociação de pessoas físicas e jurídicas enquadradas na dívida ativa da União. Estimulado pelo período eleitoral, o Congresso Nacional decidiu converter parte dessas MPs em leis federais, expandindo ainda mais o benefício aos devedores.
E há bons indícios de que essa política de ‘concessões’ do ex-presidente Jair Bolsonaro permanecerá no novo governo Lula. É o que fica claro no projeto Litígio Zero, pacote econômico lançado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A ideia é viabilizar os acordos entre contribuintes que possuem dívidas tributárias com a União, reduzindo drasticamente as ações de execuções fiscais que hoje ajudam a abarrotar o Judiciário.
Esse tipo de ação é bastante relevante se considerarmos que a dívida ativa da União atualmente deve beirar os R$ 3 trilhões, sendo que parte deste valor é decorrente da crise causada pela pandemia. Ainda assim, a expectativa do governo é bastante modesta diante do montante: acredita-se que o Litígio Zero pode alcançar cerca de R$ 3,72 bilhões em renegociações em mais de 30 mil processos abertos na Justiça. É uma gota no oceano, mas que faz toda a diferença para os cofres públicos e mais ainda para os devedores.
Isso porque o programa tem a vantagem de ser ousado na sua proposta. Para pessoas físicas e para as micro e pequenas empresas, o desconto pode chegar a 50% da totalidade do valor devido, com a chance de efetuar o pagamento em até 12 parcelas, desde que a dívida seja de até 60 salários mínimos. Para as pessoas jurídicas que devem mais do que isso, existe a chance de conseguir até 100% de desconto nos juros e nas multas incidentes sobre o débito.
Outra facilidade proposta pelo Litígio Zero é sobre o encerramento da ação em caso de vitória do contribuinte em 1ª instância, o que também permite acreditar que muitas ações serão retiradas dos tribunais. O que é preciso apontar é que a iniciativa fiscal predispõe daquilo que é o básico de uma negociação: a abertura de um diálogo entre as partes. O governo cede de um lado, enquanto, por sua vez, o contribuinte assume o compromisso de pagar aquilo que lhe sobra nessa renegociação. O caixa do governo é abastecido com um dinheiro improvável e, ao mesmo tempo, o devedor tem seu nome retirado da dívida ativa.
É válido recomendar que o contribuinte, desde que esteja ciente da dívida, aceite a proposta, uma vez que as mesas de negociação com o poder público são sazonais, e nem sempre em condições substancialmente interessantes como o projeto Litígio Zero sugere. Ponto para o Ministério da Fazenda, que inicia o novo governo compreendendo a realidade tributária do país, sobretudo de empresas que têm acima de tudo um papel social através da geração de emprego e renda. Acreditar que no futuro haverá uma oferta financeira melhor do que esta é apostar alto numa vitória cujo favorito costuma estar do outro lado da mesa.