Responsabilidade do Novo Sócio por Dívidas Anteriores e Estratégias de Proteção

Entendendo a Responsabilidade do Novo Sócio: Desafios e Estratégias para Proteger seu Investimento em Sociedades Empresárias

As sociedades empresárias são pessoas jurídicas de direito privado, que possuem personalidade jurídica e patrimônio próprio. Assim, ao constituírem uma sociedade, os sócios devem investir o valor que será utilizado para o desenvolvimento da atividade empresarial. Esse valor é o denominado capital social.

Utilizando aqui os dois tipos de sociedade mais comumente utilizados, o capital social da sociedade limitada é dividido em quotas e o capital social da sociedade anônima é dividido em ações, e em ambas sociedades a responsabilidade dos sócios pelas dívidas da empresa é limitada ao capital investido, ou seja, ao capital social.

O Código Civil Brasileiro, que regulamenta as sociedades limitadas, estabelece no artigo 1.052 que a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Ou seja, caso algum dos sócios deixe de realizar a integralização da parcela de capital com o qual se comprometeu, todos os sócios, mesmo aqueles que já integralizaram sua parcela do capital social, poderão ser chamados para integralizar o capital restante e assumir eventuais dívidas da sociedade no valor que não foi integralizado.

Já nas sociedades anônimas cada sócio é responsável apenas pelo valor de emissão de suas ações, não havendo responsabilidade solidária entre eles para integralização do capital.

Por tudo isso é que se fala que a responsabilidade dos sócios em ambos os tipos societários é de natureza limitada, pois a responsabilidade dos sócios fica limitada ao valor com o qual se comprometeram a investir para integralização do capital social. Aquele é o valor que os credores possuem em garantia de seus créditos e somente até aquele limite, em regra, o patrimônio pessoal dos sócios poderá ser atingido para o pagamento de dívidas da sociedade, caso o capital ainda não tenha sido totalmente integralizado.

Diante disso a primeira e lógica conclusão a se ter é de que, em caso de alienação, parcial ou total de uma sociedade, todas as suas dívidas permanecem com a empresa, não havendo qualquer responsabilidade pessoal dos sócios, limitada ao valor do capital social.

No entanto, o Código Civil no artigo 1.025 estabelece que o “sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão“.

É importante observar que a responsabilidade estabelecida pelo Código Civil diz respeito apenas às dívidas sociais, ou seja, às obrigações dos sócios, e não às dívidas da sociedade, indistintamente, como por vezes é equivocadamente interpretado. Tal dispositivo legal não opera uma extensão da responsabilidade dos sócios ingressantes na sociedade para que esses sejam responsáveis pelas dívidas da sociedade.

Portanto, ao adquirir quotas ou ações de uma sociedade, seja por aquisição parcial ou total, todas as dívidas e passivos permanecem com a empresa e deverão ser por ela adimplidas, ainda que seu fato gerador tenha ocorrido antes da aquisição pelo novo sócio.

Contudo, nas hipóteses em que as dívidas da sociedade poderão ser redirecionadas aos sócios, como, por exemplos, na hipótese já tratada de não integralização do capital social ou da desconsideração da personalidade jurídica, essa responsabilidade também poderá recair sobre o sócio adquirente, ainda que a dívida ou o fato gerador desta seja anterior ao seu ingresso na sociedade, por forma do artigo 1.025 do Código Civil.

Nesse sentido foi o recente julgamento da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do processo n. 1001955-88.2016.5.02.0040, que determinou a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade para atingir o patrimônio dos sócios para o pagamento de condenação trabalhista, incluindo sócio atual, que não integrava seu quadro societário há época da prestação de serviços pela Reclamante.

Mas a final, existe forma do investidor que pretende adquirir participação societária em uma empresa já constituída, se proteger sobre eventuais responsabilidades sobre dívidas da empresa? A resposta é sim.

O primeiro passo é a realização de um processo de due diligence antes da aquisição. Nesse processo realiza-se uma auditoria para o levantamento de todos os riscos e passivos da sociedade. O resultado da diligencia normalmente é determinante para decisão final sobre a aquisição, ou não, da participação societária e para definição do preço a ser pago.

Com a decisão pela aquisição da participação societária, é no contrato de aquisição que, a partir do resultado da diligência, as partes estabelecerão os limites de responsabilidade do sócio vendedor e do investidor adquirente e as indenizações que poderão ser pagas pelo vendedor ao investidor em casos, por exemplo, de materialização de perdas que atinjam o patrimônio do sócio adquirente ou da sociedade adquirida, cujos fatos geradores sejam anteriores a aquisição.

Tais cláusulas podem ter diversos formatos, a depender do caso concreto e dos riscos aferidos na diligência, e são de extrema importância para o investidor, que precifica o negócio adquirido conforme a situação da empresa naquele momento e sua perspectiva de desenvolvimento futuro, mas pode ser surpreendido com a materialização de passivo capaz de comprometer o caixa da empresa, seus ativos e a própria operação, ensejando, por exemplo, aportes financeiros dos sócios ou até mesmo alcançando seu patrimônio pessoal conforme o caso acima exposto.

Não obstante, é importante lembrar que a obrigação de indenizar o investidor adquirente ocorre em relação privada entre vendedor e comprador e tem efeitos somente entre as partes, não abrangendo terceiros. O que significa dizer que, todas as obrigações, dívidas e passivos a serem exigidas por terceiros serão efetivamente realizadas em face sociedade e eventualmente de seus sócios, que nas hipóteses previstas no contrato de aquisição poderão exigir a competente indenização para reparação dos danos suportados.

Assim, é fundamental que o investidor que deseja ingressar em uma sociedade de forma segura, evitando surpresas indesejadas, que podem inclusive afetar seu patrimônio pessoal, busque a assessoria de profissionais especializados para realização de due diligence, atuação nas negociações e elaboração de um contrato de compra e venda capaz de resguardar seus interesses e oferecer-lhe a segurança jurídica necessária.

Autor

Mariella Santana
Mariella Santana
Advogada, formada pela Universidade Vila Velha (UVV). Possui especialização em Direito Marítimo e Portuário pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e especialização em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Autora de diversos artigos sobre temas jurídicos.

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